IPCA: o que houve com o preço dos alimentos — e por que a angústia dos economistas é outra | Economia | G1

IPCA: o que houve com o preço dos alimentos — e por que a angústia dos economistas é outra
IPCA: o que houve com o preço dos alimentos — e por que a angústia dos economistas é outra

IPCA: o que houve com o preço dos alimentos — e por que a angústia dos economistas é outra

Depois de ser protagonista da desinflação em 2023, o grupo de Alimentação e bebidas teve o maior peso nos preços pelo terceiro mês consecutivo. Para especialistas, o efeito é sazonal e a preocupação maior é com o setor de serviços.

Por Raphael Martins, g1

09/02/2024 05h04 Atualizado 09/02/2024

IPCA sobe 0,42% em janeiro

IPCA sobe 0,42% em janeiro

Pela terceira vez, o grupo de Alimentação e bebidas teve a maior contribuição de alta para os preços medidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). O dado de janeiro foi divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística nesta quinta-feira (8).

Na média, os preços subiram 0,42%, acumulando 4,51% nos últimos 12 meses. Sozinho, o grupo teve peso de 0,29 ponto percentual no índice geral de janeiro, após alta de 1,38% no mês.

A situação assusta pois os alimentos tiveram grande contribuição para a desinflação no ano passado. Apesar do arranque em novembro e dezembro, foram quatro meses consecutivos de queda, entre junho e setembro. Em 2023, a alta acumulada foi de 1,03%, a segunda menor de todos os nove grupos do IPCA.

Há também o fato de que a alimentação teve altas consideráveis nos anos de pandemia de Covid-19. Em 2022, o grupo subiu 11,64%. Quando se parte de uma base de comparação alta, as quedas também são mais expressivas, e também mais representativas no processo de desinflação.

Assim, o conjunto Alimentação e bebidas foi um dos protagonistas para que o IPCA fechasse o ano de 2023 dentro da meta de inflação estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). E a melhora das expectativas deu tranquilidade ao Banco Central para iniciar o ciclo de queda da taxa básica de juros.

Mas resta a dúvida: a aceleração dos preços dos alimentos pode reverter a tendência e retrair o BC na queda da Selic? Para especialistas ouvidos pelo g1, a resposta é não — ao menos considerando especificamente a situação dos alimentos.

São dois pontos a considerar:

  • O preço dos alimentos sofre de um efeito sazonal: no verão, alimentos in natura têm queda natural de oferta, o que empurra os preços para cima.
  • O El Niño intensificou as variações climáticas e criou dificuldades de colheita, trazendo um prejuízo extra aos preços.

Entre os produtos, a cenoura (43,85%), a batata-inglesa (29,45%), o feijão-carioca (9,70%), o arroz (6,39%) e as frutas (5,07%) foram os destaques do IBGE para o mês.

“Hortaliças, legumes, tubérculos e raízes têm oferta menor no verão. As famílias não abrem mão do consumo e o agro não consegue produzir a contento”, afirma André Braz, economista do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

“O que preocupa na inflação é quando ela está muito espalhada e persistente. Nesse caso, ela é concentrada em grupos de alimentos e não é duradoura. O desafio da política monetária não aumenta porque um produto sobe temporariamente de preço”, prossegue.

A expectativa, portanto, é que a chegada do outono e um alívio do El Niño possam controlar os preços de alimentos in natura adiante.

Para o economista Fábio Romão, da LCA Consultores, seria muito difícil que a Alimentação no domicílio, que agrupa especificamente os preços in natura, tivesse nova queda em 2024, como teve em 2023.

No ano passado, o subgrupo teve deflação de 0,5%, na primeira queda desde 2017. Para este ano, a projeção de Romão é de uma alta de 4%, que ele considera um ganho moderado.

“Nas informações recentes do atacado, em que pesam bastante as commodities e mostram os preços ao produtor agropecuário, as sinalizações são de queda. É o estágio anterior à cadeia produtiva do varejo agropecuário. Isso descomprime os preços após o primeiro trimestre”, diz o economista.

Por isso, a projeção para o IPCA no boletim Focus não tem se alterado, mesmo com a aceleração dos preços no grupo. Na última versão do relatório, o mercado financeiro projetava uma alta de 3,81% para a inflação em 2024.

O número está abaixo do acumulado visto em janeiro, o que significa que os preços devem desacelerar.

Serviços no foco

A preocupação dos analistas é outra: o setor de serviços. A inflação de serviços medida pelo IBGE mostra um acumulado de 5,62% em 12 meses, ainda acima da média do IPCA.

Já o núcleo de serviços subjacentes, aquele que indica melhor a tendência do setor e exclui medidas mais voláteis, teve alta de 0,76% em janeiro — a maior surpresa de todas as aberturas do IPCA na opinião dos especialistas.

O núcleo de serviços é uma das principais métricas observadas pelo BC para a continuidade do ciclo de cortes da Selic. A taxa básica de juros passou por cinco quedas seguidas, mas o Comitê de Política Monetária (Copom) deixou clara a preocupação com a continuidade do processo de desinflação.

“O mercado de trabalho está aquecido, e famílias aumentam a cesta de consumo nessa situação. Quanto mais confortável com a renda, mais você viaja, vai ao salão de beleza, come fora de casa”, diz André Braz, do FGV Ibre.

“No Brasil, mesmo os serviços livres têm muita indexação. É o caso do aluguel, condomínio e mensalidade escolar. Eles têm peso no orçamento e muita dificuldade de reduzir no ano.”

A intensidade desse efeito, porém, ainda é incerta. Já na repercussão do resultado de ontem, economistas classificavam o número dos serviços subjacentes como uma espécie de “alerta amarelo”.

Para Andrea Damico, economista-chefe da Armor Capital, os resultados ainda não revertem a tendência de queda da Selic, mas ligam alertas sobre a trajetória dos preços. Ainda que tenha ficado claro que itens voláteis influenciaram o resultado, é preciso observar como serão os próximos meses.

"Já esperávamos um número feio para esse fechamento, mas veio muito pior. É um sinal desconfortável, mas mantemos a visão de que deve haver alguma descompressão nos próximos meses. Ainda tem um componente dos reajustes anuais nesse dado", comentou a especialista.

Já Laiz Carvalho, economista para Brasil do BNP Paribas, indicou que a alta de serviços subjacentes vinha se desenhando desde os resultados do IPCA-15 do mês, mas será monitorada de perto para antecipar os próximos passos do BC.

"Ainda é cedo para falar de reversão da desaceleração de serviços. Mas, daqui para a frente, além do índice cheio em si, esse é o aspecto que todos vão acompanhar para entender o impacto da atividade econômica na inflação, em especial do mercado de trabalho", diz a economista.

Veja o resultado dos grupos do IPCA de janeiro:

  • Alimentação e bebidas: 1,38%;
  • Habitação: 0,25%;
  • Artigos de residência: 0,22%;
  • Vestuário: 0,14%;
  • Transportes: -0,65%;
  • Saúde e cuidados pessoais: 0,83%;
  • Despesas pessoais: 0,82%;
  • Educação: 0,33%;
  • Comunicação: -0,08%.

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